Este artigo emergiu de demandas no set terapêutico onde o tema do relacionamento se manifestou em diversos formatos, situações, questionamentos.
O amor romântico é uma experiência de mudança de vida cheia de potencialidades e perigos. Pode ser a experiência mais bonita e inebriante, e pode causar a dor mais horrível. A experiência do amor pode servir como um portal para aumentar o autoconhecimento e mais compaixão e amor por si mesmo e pelos outros. No entanto, exige que a alegria e a dor do amor sejam entendidas como reflexo de nossa condição humana
O que aqui pretendemos apresentar, é o resultado dessa reflexão e sua aplicação onde combinamos Psicologia Junguiana, Antroposofia e sua análise biográfica e elementos da astrologia, que se descortinam nas progressões.
A teoria dos setênios é uma das bases da Antroposofia, criada pelo filósofo Rudolf Steiner. Dentro desse pensamento, a ideia é ver a vida de forma cíclica, a partir da observação dos ritmos da natureza, e com o cosmos; divididos em fases de sete anos.
Esse referencial foi aplicado inicialmente por Steiner para o desenvolvimento da Pedagogia Waldorf e desenvolvido pela Dra. Gudrun, em seu trabalho com adultos, que chamou de “ biográfico” que desdobra o caminho de evolução do ser humano como um todo e posteriormente ampliado para aplicação nas organizações, pela Pedagogia Social.
A referência para Steiner e posteriormente para a Dra. Gudrun, dos sete anos, tem por base o ritmo de Saturno, ultimo planeta que enxergamos a olho nu, ao qual é atribuído o significado de “limite”. Corresponderia em nossa visão terrena à linha do horizonte que enxergamos mas sabemos que além, há o que transcende, que só podemos “enxergar” com outro tipo de olhar. Os estudos do Dr. Gerardo A. Blanco, médico antropósófico e do astrólogo Lindbergh Pessoa, incluíram posteriormente Urano, que tambem tem um ritmo de sete anos, além de Netuno e Plutão.
Nos relacionamentos humanos, em especial no relacionamento romântico, tais princípios tambem podem ser observados e são resultado da biografia de cada indivíduo.
Na perspectiva da Psicologia Analítica (Junguiana), descrever as etapas de desenvolvimento do indivíduo é difícil, pois suas produções apresentam estudos sobretudo da fase adulta.
Mas é importante notar que parte dessa lacuna foi preenchida por estudiosos ligados a Jung, principalmente Michael Fordham em A Criança como Indivíduo (2003) e Erich Neumann em História da Origem da Consciência (2008) e A Criança (1991).
No estágio inicial (0 aos 7 anos) Jung diz: “E prossegue, a falta de consciência é que originada na indiferenciação. Ainda não existe o “eu” claramente diferenciado do resto das coisas, mas tudo o que existe são acontecimentos ou ocorrências, que tanto podem pertencer a mim como a qualquer outro. ” (JUNG 1988, pg. 45)
O estágio inicial, anterior ao nascimento do ego, foi descrito por Neumann, como a Uroboru (serpente que engole a própria cauda). Essa imagem descreve o Self primordial, de onde o ego individual emerge. Esse é o estágio onde o ego se encontra mergulhado no inconsciente coletivo. Aos poucos o ego vai se diferenciando dessa totalidade e tendendo a uma separação inicial, para posteriormente se relacionar com o Self novamente.
Esta realidade é característica na relação do nenê com sua mãe. Segundo Neumann (1991), “a relação primal é cósmica e transpessoal porque a criança não possui nem um ego estável nem uma imagem corporal delimitada” (p.13). Trata-se de uma realidade unitária na qual a criança encontra-se totalmente dependente da mãe que representa tanto o mundo como o Self.
Para Steiner essa etapa é descrita como a etapa da ligação visceral interna com a mãe, responsável, pela interpretação e provimento das necessidades físicas e anímicas da criança. Nesse período, segundo Steiner, é que se estabelece as bases para o desenvolvimento das qualidades de Interioridade, Sensibilidade, Expressão dos sentimentos, reconhecimento do ser e autoestima. Se estas qualidades são desenvolvidas adequadamente, a criança desenvolve uma qualidade de confiança básica no mundo. Do ponto de vista astrológico observamos então as manifestações lunares da carta natal até os 2 anos delimitada pelo seu reconhecimento no espelho; e a partir de então à mercúrio, quando aprimora o andar, falar, ouvir, o tato, o olfato.
A fase dos 7 aos 14 anos é demarcada em seu início pela substituição dos “dentes de leite” pelos dentes definitivos e no período final, geralmente a puberdade já se manifestou. Não à toa, se dá a primeira quadratura de saturno em transito com o saturno do mapa natal. A relação pai/ professor adquire preponderância, segundo Steiner, e eles são as pontes de ligação com o mundo externo. Os pais e professores são nesse período os provedores das necessidades de conhecimento e materiais. Aqui se desenvolvem as qualidades da Iniciativa, clareza, objetividade, força, perseverança e metas para o futuro. Se desenvolvido adequadamente, o jovem está apto a descobrir o mundo pelo sentir.
Só quando o ego experimenta a si mesmo como algo distinto e diferente do inconsciente, há superação do estágio embriônico e só então pode se formar um sistema, autônomo e baseado em si mesmo, da consciência. (NEUMANN, 1995, pg. 52). Segundo Neumann (1995), o alvo da vida agora é tornar-se independente do mundo, destacar-se e ter autonomia. Na criança, embora o ego e a consciência se preocupem principalmente com a adaptação, é possível encontrar a tendência à autoformação.
Na fase seguinte, dos 14 aos 21 anos, forma-se novamente outra quadratura e a oposição Saturno em trânsito, com Saturno Natal e o primeiro retorno do Nodo Lunar. Aqui Steiner informa que surge o erotismo e interesse pelo outro. O “Eu” se manifesta como expressão diferenciada e única. Nesta fase, segundo Steiner, a Educação deve ter foco na Educação pela verdade, diálogo e liberdade com responsabilidade, pois a alma adolescente está aberta aos ideais e amor universal. Nessa fase encerra-se o grande ciclo de encarnação/ educação receptiva e terá início a proxima fase de “plenitude terrestre”, de “Lutar” ou fase “Expansiva”. Aqui se faz a ponte com o mundo.
Segundo Jung, a expressão do Eros, ligada a alma feminina, tambem tem sua manifestação na Anima masculina, e é também intrínseco, isto é, a habilidade de ver além do ego projetado e de assimilar em nosso ser consciente. Este é Eros, como “desejo para a perfeição, ” que é necessário para que nós nos sintonizemos com nossa personalidade. Compreendendo “o amor passional” e o “desejo pela perfeição” como “a ligação psíquica”, Jung demonstra também que o desejo pelo amor é um desejo para a interconexão e a interação com outros seres conscientes ou sensíveis. Ele ressalta “…. Um Eros inconsciente sempre se manifesta sob a forma de poder (CW 9/1 167). Nessa fase os princípios masculino e feminino buscam integração, ou seja, devem gerar a resultante da fase Urobórica (infância) e puberdade. Na astrologia trata-se do fechamento de um primeiro ciclo, tendo correspondência com a triplicidade: cardeal (impulso inicial, principio), fixo (encarnação, incorporação, materialidade) e mutável (criatividade, integração, flexibilidade, abertura para o novo que irá surgir). Esta nova fase seria a síntese das anteriores.
Jung diz “ Nem o princípio materno, nem o princípio paterno podem existir sem o seu oposto, pois ambos eram um só no início e tornar-se-ão um só no fim. A consciência só pode existir através do permanente reconhecimento e respeito do inconsciente: toda vida tem de passar por muitas mortes (CW 9/1 178).
Em outro trecho referindo-se ao trabalho de Freud ele oferece sua compreensão: “Melhor seria dar àquilo que ele tem em mente, o nome de “Eros”, recorrendo às antigas concepções filosóficas de um “pan-eros” que impregna toda a natureza viva como criador e fecundador”…. “ Portanto achei oportuno admitir uma grandeza hipotética, uma “energia”, como princípio de explicação psicológica e designa-lo de “libido”, no sentido clássico da palavra (desejo impetuoso), sem com isso fazer qualquer afirmação sobre sua substancialidade. Com essa grandeza, os processos dinâmicos podem ser facilmente explicados e sem aquela deturpação própria de uma explicação baseada em motivo concreto” (CW 10/3 5, 7)
Dos 21 aos 28 anos, inicia a fase de plenitude terrestre, onde deve ocorrer, segundo Steiner, o amadurecimento psíquico. É uma fase emotiva, onde ocorre uma relação de fusão com o mundo e ao mesmo tempo, de autoafirmação. Embora época de autoafirmação, aqui se inicia a busca pela “outra metade” e a fusão é também o impulso nas relações amorosas. A busca pela relação Erótico-afetiva. Onde a frase comum entre os apaixonados é “só vou se você for”….
“Rudolf Steiner denomina esta fase de “fase de maturação terrestre”, não simplesmente de maturação sexual, pois esta parte é apenas um lado. Esta etapa representa um limiar; até então, o ser humano era muito mais cósmico e espontaneamente ligado à natureza. Agora ele se liga profundamente á terra e a gravidade da terra começa a tomar conta do seu corpo; ele se torna um “cidadão terreno”, capaz de atuar na sociedade, na Terra, e de viver o seu destino. ”
“Estabelecer-se no mundo, cortar os vínculos com a infância que nos ligam aos pais, arranjar um parceiro sexual e iniciar uma nova família constituem, para Jung, a tarefa do indivíduo na primeira metade da vida” (in MEIA-IDADE, INDIVIDUAÇÃO E ORGANIZAÇÕES Fernando C. Prestes Motta)
Segundo Jung: “ Devido ao amadurecimento sexual, surge a possibilidade da nova ‘participation mystique” pessoal e, portanto, também a possibilidade de substituir aquela participação pessoal, que foi perdida, da identidade com os pais. Um novo arquétipo é constelado: no homem, o arquétipo da mulher e, na mulher, o arquétipo do homem”… “Por razões que ainda discutirei mais adiante, dei ao arquétipo feminino que está no homem o nome de anima e ao arquétipo masculino que está na mulher o nome de animus. (CW 10/3 71)
Dos 28 aos 35 temos o que é denominado por Steiner, como a fase racional. O Ser adulto passa a ter uma relação de separação com o mundo, e do ponto de vista Junguiano, quer quebrar o “espelho” (projeções) ultrapassar ou tornar consciente suas sombras e integrar a Anima e o animus. Diz Jung: “…até onde a lógica humana alcança, a unificação dos opostos equivale a um estado de inconsciência, pois o estado de consciência pressupõe, ao mesmo tempo, uma diferenciação e uma relação entre o sujeito e o objeto. Onde não existe um “outro” ou ainda não chegou a existir, cessa a possibilidade de se tornar consciente”. (CW 9/2 301).
Na relação que na fase anterior era basicamente erótico afetiva, passa a ser solicitada uma relação de parceria. Nessa fase, o indivíduo tem em sua carta natal por trânsitos e progressão, o retorno da lua progredida que oferece a possibilidade de uma maior maturidade emocional e o retorno de saturno que representa o fechamento do ciclo com um maior amadurecimento e “centramento”.
Aqui a relação amorosa deve evoluir para um maior companheirismo e a divisão de tarefas se daria de forma harmoniosa e natural.
“Eu faço o supermercado e você faz o jantar
Dos 35 aos 42, segundo Steiner, estamos em busca da essência. Nos perguntamos que significado tem para cada um de nós certo estilo de vida, se é bom para ambos, o que precisa mudar para ser melhor?
“Chega um momento em sua vida em que você sabe que a vida que você viveu acabou e você não tem a menor ideia de quem está se tornando”. Marion Woodman
Segundo Jung, é o início da Metanóia. Nesta trajetória dos 35 aos 42, astrologicamente temos muitos aspectos desafiadores como a oposição da lua progredida, oposição de saturno, a oposição de Urano em trânsito com Urano Natal, 2º retorno do Nodo luar, quadratura de Netuno em trânsito com Netuno natal, todos esses aspectos, segundo a astrologia, demandam que o indivíduo renasça de si mesmo, a partir de sua própria verdade. Agora a união passa por um escrutínio e muitas vezes pela incapacidade de adaptação e evolução ele acaba. Alguns chegam no limiar e optam pelo parceiro, agora com outra percepção. Agora eu percebo e honro a escolha consciente e amorosa pelo parceiro. A relação evolui para o companheirismo.
“Sou mais eu por que estou contigo”
Dos 42 aos 49, vem a perda da beleza física e a descoberta do mundo interior. Novos valores são desenvolvidos. Se estabelece uma relação de comunhão, segundo Steiner.
Na psicologia analítica, no desenvolvimento do processo de individuação a partir da Metanóia, não é mais sobre o que você quer, mas sobre o que você está disposto a dar. Se dá um encontro. Isso se refere a uma reunião e troca entre duas pessoas. A diferença entre um encontro e um relacionamento é que um encontro é uma escolha consciente – ambas as partes escolhem estar envolvidas. Há uma reunião entre minha essência e sua essência. Eu devo estar em um relacionamento para experimentar um encontro. É importante ter encontros em nossos relacionamentos. É o nível mais alto de conexão.
Essa experiência de estar presente com o “nós” permite que ambas as partes sejam vistas e vejam a outra. Se houver diálogo e encontro, o relacionamento pode mudar. Se um dos parceiros estiver bloqueado, não há chance de mudança
O relacionamento me permite ter opiniões que diferem em princípio e permito que meu parceiro seja diferente. Nosso relacionamento cultiva a diversidade e a apreciação uns pelos outros. Essa diferença entre nós permite o diálogo que enriquece a nós dois. Meu parceiro e eu podemos abordar questões e hábitos um do outro que nos perturbam e o diálogo pode trazer uma correção saudável. Posso corrigir meu parceiro e meu parceiro pode me corrigir, mas também compensamos as fraquezas um do outro. Neste momento “Eu ajudo você a conseguir”
Dos 49 aos 55, prossegue o processo de individuação. Mas o que significa processo de individuação? Carl Jung (1991), diz que: “Esse processo torna aqui o homem sábio e o ser humano passa a ensinar quem precisa, há uma atitude mais cooperativa, pois desenvolve a percepção de interdependência. ” E ainda complementa destacando em outro momento um aspecto importante …” a Persona é um obstáculo ao desenvolvimento individual. A dissolução da persona é, portanto, uma condição indispensável à individuação” (CW 7/2 pag. 168). Essa análise da fase em questão, está perfeitamente em sincronia com a demanda dos trânsitos planetários que ocorrem nesse período.
A comunhão se aprofunda, e a expressão passa a ser: “ Você primeiro. Eu estou junto”
E após os 56 até os 63 se desenvolve a consolidação da ‘comunhão” e uma nova expressão de amor é definida. Nesta fase se dá o segundo retorno de saturno,
Trigono de Urano em transito com urano natal, trigono de Netuno em trânsito com netuno natal. Se, se desenvolvem com amor as transições de cada ciclo, são então felizes e semeiam a felicidade em torno. A luz irradia de dentro para fora. E a vida e o mundo fazem sentido. Agora se está a serviço do bem geral A Expressão nesse período e daí para diante passa a ser:
“O importante é que você esteja bem”. Amadurecer nesse sentido seria ajudar o desenvolvimento da individualidade do outro. Apoiar seu processo de individuação
Jung nos diz: “ Todos e cada um são estanhos no meio de estranhos. A libido de parentesco, que nas comunidades cristãs primitivas ainda criava um vínculo que satisfazia o coração, perdeu seu objetivo há muito tempo. Mas como ela é um instinto, nenhum substituto a satisfaz. O que ela quer é o vínculo humano. É esse exatamente o núcleo do fenômeno de transferência, que é impossível eliminar, porquanto a relação com o Si-Mesmo é ao mesmo tempo a relação com o próximo. E ninguém se vincula ao outro, se antes não se vincular consigo mesmo. A realização consciente da unificação interior é inseparável da relação humana, que é condição indispensável, pois sem o vínculo com o próximo, reconhecido e aceito conscientemente, a síntese da personalidade simplesmente não se faz. (CW 16/2 4443.445)
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